sábado, 20 de dezembro de 2008

Bossa nova


Chega de saudade

Bossa nova faz 50 anos, expõe o charme de Ipanema e se transforma em produto turístico diferenciado para o Rio de Janeiro
Sergio Adeodato
Banquinho, violão, roda de amigos. Descontração, alegria de um Rio de Janeiro em alto astral. As fotos antigas nas paredes guardam a memória dos áureos tempos; registram encontros históricos. Sentados despretensiosamente à mesa do antigo bar Veloso, na então Rua Montenegro, Tom Jobim e Vinícius de Moraes se inspiraram para compor a imortal Garota de Ipanema – ainda hoje uma das dez músicas mais conhecidas e tocadas no planeta. É ícone de um movimento musical que comemora 50 anos: a bossa nova, marco da identidade brasileira que encanta o mundo, promove o país lá fora e atrai atenções e dólares para o charmoso bairro carioca que preserva a “beleza que não é só minha” e o “doce balanço a caminho do mar”.

Ao longo das décadas, o velho botequim onde antigamente os clientes tomavam cerveja com tremoços e davam guaraná às crianças, passou a se chamar Garota de Ipanema; a rua ganhou o nome de Vinícius de Moraes, e o bairro se tornou cartão-postal obrigatório do Rio de Janeiro, cidade-berço da bossa nova. Oficialmente, o movimento nasceu em agosto de 1958, quando João Gilberto criou uma nova batida ao violão, misturando as raízes do samba à modernidade do jazz norte-americano, em Chega de Saudade. No começo, tratou-se de uma expressão cultural intimista, restrita a noitadas em apartamentos da Zona Sul carioca. Logo a bossa nova deixou os guetos, chegou às boates e bares e ganhou notoriedade. Encontros memoráveis eram realizados no Beco das Garrafas, em Copacabana, foco atual de projetos para a revitalização e a retomada do antigo apogeu. De lá, a turma da bossa nova costumava seguir para o restaurante Fiorentina, no Leme, onde encontrava ídolos como Ary Barroso – o autor de Aquarela do Brasil, um dos clientes mais assíduos, homenageado por uma estátua na calçada à porta do estabelecimento.

Não demorou e o novo ritmo começou a ter grande exposição no exterior, depois de ser incluído na trilha sonora do filme Orfeu Negro, lançado em 1959 pelo cineasta francês Marcel Camus e vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro. A partir de 1962, quando os brasileiros levaram a novidade ao palco do Carnegie Hall, em Nova York, o gênero ganhou interpretações de nomes internacionais famosos, como Frank Sinatra e Elvis Presley e conquistou definitivamente o mundo.

Retrato do Brasil no exterior

A bossa nova marcou a imagem do país – suas belezas naturais, suas expressões culturais e, principalmente, o peculiar jeito de ser brasileiro. “Não poderíamos ter um cartão-postal melhor”, afirma Rubem Medina, secretário especial de Turismo do Rio de Janeiro. “É uma marca muito forte e importante, capitalizada pelo turismo”. Tanto assim, que o ritmo cinqüentão foi nesse ano tema central da participação do país na Bolsa Internacional de Turismo (BIT), em Milão. O objetivo foi divulgar a Marca Brasil junto ao mercado italiano, o quarto do mundo e o segundo da Europa que mais emite turistas para os destinos brasileiros.

Dentro do país, diversas ações de marketing pegaram carona nesse aniversário, com lançamento de livros, exposições e shows comemorativos. Na capital carioca, a bossa nova, tombada como patrimônio cultural da cidade, se transformou em atrativo turístico – dos antigos bares onde o ritmo nasceu, às lojas de discos especializadas nessas canções e museus que guardam a sua história e hoje compõem roteiros culturais.

De todos os bairros cariocas, Ipanema é o que mais celebra o estilo de vida e as belezas cantadas por Tom, Vinícius e seus companheiros. Inspiradora, a paisagem pode ser apreciada de vários ângulos. Da Pedra do Arpoador, pedaço da praia freqüentado por surfistas, se avista o morro Dois Irmãos, a Pedra da Gávea e o Cristo Redentor – além, é claro, da imensidão do mar pontilhado por ilhas. No calçadão da sofisticada Avenida Vieira Souto, passarela de artistas globais e seus paparazzi, o carioca se exercita para manter o corpo em forma e a vida saudável. Essas areias, não raro disputadas palmo a palmo, constituem um cenário de várias tribos – da turma GLS em frente à Rua Farme de Amoedo aos jovens do badalado Coqueirão, point de rodas de “altinho” (um bate bola onde só não vale usar as mãos), redes de vôlei e moçada sarada, próximo ao Posto 9 e à Rua Vinícius de Morais.

Reduto de lojas de grife, como as existentes na Avenida Visconde de Pirajá e imediações, Ipanema não esconde o ar blasé que alia descontração e requinte para atrair endereços de charme. Entre os destaques, está o luxuoso Hotel Fasano, à beira da praia, no Arpoador, ambientado na bossa nova. Vizinho ao lobby funciona o restaurante Fasano Al Mare, criado há um ano por Rogério Fasano com especialidade em frutos do mar ao estilo mediterrâneo. A iniciativa arrasta novos projetos de sofisticação, como o Banana Café, tradicional ponto de encontro carioca dos anos 1980 e 1990, que reabriu em Ipanema sob o comando do chef Ronaldo Canha.

Atração turística

No aniversário dos 50 anos, a força da bossa nova dá asas à imaginação, com impactos no turismo. O escritor Ruy Castro, especialista na história desse movimento genuinamente nacional, costuma dizer que a bossa nova não pode ser condenada ao passado. “Ela está em todos os lugares, dentro e fora do Brasil”, afirma o autor, que lançou em 2006 o Rio Bossa Nova – um guia para o turista carregar debaixo do braço nas andanças pela cidade. Da Rua Nascimento Silva 107, famoso endereço de Tom Jobim, em Ipanema, ao apartamento da cantora Nara Leão em Copacabana e aos antigos redutos da boemia carioca, o tour reúne atrativos agora redescobertos. Alguns desses lugares, ao longo das décadas, mudaram de função ou, engolidos pela modernidade urbana, já não existem mais. Outros continuam de pé e se revitalizam. Revigorada, a bossa nova ganha espaço entre cantores e compositores da atual geração e, no rastro do turismo, deixa de ser apenas nostalgia. Chega de saudade!

Revista Host

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