quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Questão cultural dificulta erradicação do trabalho infantil

Babeth Bettencourt e Claudia Silva Jacobs

Tiago acha que "criança não deve ficar à toa"
Junto com o fator econômico, a questão cultural, a crença de que trabalhar é bom, é apontada pelos especialistas como um dos mitos que legitimam o trabalho infantil no Brasil.

Segundo o assessor especial do governo da Bahia para o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, o Peti, Frederico Fernandes de Souza, esta visão se sobrepõem às verdadeiras conseqüências desse trabalho.

"Esses mitos como: eu também trabalhei quando criança, meu pai trabalhou... isso só reforça esta cultura de que é normal criança trabalhar. Mas o que acontece normalmente é que o trabalho precoce prejudica a escolarização das crianças e uma futura colocação no mercado de trabalho."

Para alguns especialistas, esta questão cultural é um dos maiores obstáculos para erradicar o trabalho infantil no Brasil.

Prevenção dos males

Mario Volpi, oficial de programas do Unicef, o Fundo da ONU para a Infância e Adolescência diz que esta idéia está já incutida na sociedade.

"As familias, principalmente as mais pobres, vêem a questão do trabalho como uma forma de livrar a criança, o adolescente da marginalização, da exclusão social, do envolvimento com drogas. É essa visão cultural que deposita no trabalho uma forma de prevenção dos males."

"O trabalho educativo, de mostrar para essas famílias que mantêm seus filhos trabalhando que vale mais a pena mandá-los para a escola, é o grande desafio. Hoje, há na cultura geral um mito de que o trabalho é bom. O trabalho é bom, desde que ele seja na fase correta, na medida certa, na função adequada à fase da vida que a pessoa vive", completa.

Tiago, de 14 anos, que freqüenta um dos polos do Peti em Itaguaí, no Rio de Janeiro, é um exemplo de como esta crença é forte, principalmente em camadas mais pobres da população.

"Quando a gente chega à adolescência, se a gente está ocupado com alguma coisa, a gente não pensa em fazer besteira. Como eu, que trabalhava, ia para a escola e à noite, às vezes, eu ficava para brincar."

Ao responder onde ele ouviu que criança deve trabalhar, ele disse: "Eu aprendo com as pessoas falando na rua. Gente mais velha, que dá o exemplo para nós. Se a gente estiver ocupado, nunca vai ficar pensando em fazer besteira."

Tiago se referia claramente às drogas, contando o caso de meninos da vizinhança que pulavam o muro de seu colégio para fumar maconha.

"Para ajudar"

Marcos Vinicius, de Belo Horizonte, também acha que crianças como ele, que tem apenas 12 anos de idade, devem trabalhar.

"Eu catava latinhas aqui em Belo Horizonte. É um bom trabalho, melhor do que ficar à toa", diz ele.

Para a oficial de programas do Unicef, America Ungaretti, esta cultura de que trabalhar é bom não se restringe apenas às camadas mais populares.

"Existe um aspecto cultural ainda muito forte no Brasil, tanto nos setores populares, que acham melhor estar aqui do que na rua, fazendo coisa que não deve, como grande parte da sociedade brasileira que não é pobre, mas continua a ter esta percepção de que não faz mal nenhum criança trabalhar."

Aprendizado

No Rio Grande do Sul, por exemplo, nas regiões de fumicultura, é comum os filhos ajudarem os pais no plantio. A cultura do tabaco, em geral, é feita em pequenas propriedades, em regime familiar.

"A atividade dos filhos na lavoura hoje é necessária para que este jovem aprenda a lidar com a terra, porque não há escolas de técnicas agrícolas na região. O filho só aprende na lavoura, com o pai. O que se quer evitar é que o filho se torne uma necessidade na lavoura do pai, que seja considerado mão-de-obra", explica Claudio Menezes, o auditor fiscal da Delegacia Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul.

"Em contrapartida, a gente tem que ver que eles não fazem isso porque são maus, porque não gostam de seus filhos, ou porque acham que o destino dessa crianças é ficar escravo do trabalho. A questão é, ou o filho auxilia o pai, ou não aprende a lidar com a agricultura", conclui.

America Ungaretti, do Unicef, lembra que deve demorar até que este problema seja resolvido.

"Essas questões de atitude, comportamentos e práticas não mudam rapidamente. É preciso gerações para alterar essa situação."

Mas, o esforço educativo está dando alguns resultados.

Gislaine, de 13 anos, que até pouco tempo atrás não podia brincar porque tinha que tomar conta do irmão mais novo, já aprendeu a lição.

"Trabalho é coisa para adulto! Criança não, ainda tem muito que aprender. Ainda falta muita vida para que elas aprendam a trabalhar."
BBC Brasil - 2003

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